segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

Um rapaz se demorava a ler cartões de felicitações. Uma demora de uma hora. Nisso escolhe um cartão. Tensionada a caneta no balcão, exita em escrever "Eu te amo". Eu te amo, não! Pensou. Eu te amo deve sair da boca e não do papel na mão. Vou escrever "Eu te quero"! Eu te quero, não! É brega! Vou deixar em branco os dizeres, entrego assinado com o ramalhete, nome e sobrenome, assim eu mando o recado que quero compromisso, espero que ela entenda.
O domingo,
um distinto recinto,
a acomodar-se com intenções segundas, oriundas, permanentes. Domingo gostaria de ser um sábado poente.
É burro quem coloca burro pra brigar.

domingo, 28 de fevereiro de 2016

Causa estranheza
tanta certeza que se tem.

Pois de certezas não tenho nada,
somente a palavra quando vem.

E se um dia a palavra
não mais vier,
e o que eu tiver
entregar-se em silêncio

tudo bem.

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

Estou na esquina da Paulista com a Consolação, com o coração na mão, mas ele pula, atravessa a rua e pega o ônibus correndo. Em pé, até que desacelera, sentado nem esquenta. Quem sabe um dia ele volta, atravessa a rua e compra uma pipoca?
Um brinco caído no chão,
um espinho.

Um cílio no olho,
 um cisco.

Uma estrela no céu que cai,
 um pedido.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

Sem a cabeça,
o que seria
do tronco?
Sem o tronco,
o que seria
dos braços
 e as pernas?
Sem os braços
e as pernas,
o que seria
das mãos e dos pés?
Sem o coração,
o que seria da cabeça?

domingo, 21 de fevereiro de 2016

A chuva é descanso do Sol e da Lua.
Como um encanto,
na Terra, resfriam os ânimos.
A garganta raspa com o ar que entra,
o nariz fecha a passagem, intercalando tempestade.
Resfriado.

sábado, 20 de fevereiro de 2016

É preciso demorar-se olhando a velhice. A juventude esvoaça e se apresenta com a energia da urgência. A velhice, um acalanto dos encantos que esmorecem a cada escalada. Há recursos para tudo, remediar os contudos e os entretantos, e a velhice é o que nos espera pela frente. Que tal contemplá-la antes? Acostumar os olhos. Escrevi isto num café quando percebi que entre umas três senhorinhas nos seus oitenta anos, uma me observava e eu passei a observá-la também. Levou um tempo, de tomar uma xícara grande, mas consegui arrancar um sorriso dela. Rimos.
o vento separa
cada gota
que cai.

Chuvisco
Perder pedras,
tropeçar nelas,
fazer tornozeleiras.

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

Um guarda-chuva grande e pesado,
porta estandarte do tempo.
No chão poças, marés altas, continentes.
Após a tempestade,
no céu estrelas contam a calmaria,
o Sol do amanhã pra lembrar que é de dia,
e o guarda-chuva, levado pelas mãos
pesa um tanto do tempo, descarregando o passado.
A amizade parte do coração, e no caminho faz muitos amigos no corpo do mundo. Sorri sem destino e quando alguém desavisado olha forma um amigo. No caminho, numas trombadas e tropeços faz inimizades, mas é tudo pretexto para depois que o peito parar de bater voltar ao começo. Dada a corda do tempo, a amizade retoma e começa tudo outra vez.

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

Gostar vem de sentir o gosto. E gostar não depende do rosto. Gostar é de graça, não tem dinheiro que pague um gosto, não tem aposta. Gostar é egoísta, você gosta e pronto. E gostar só fica triste de engolir quando recebe o não gostar do outro. O ego colabora, espezinha e coloca a língua de fora. Enquanto a gente chora.

terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

A estrada dágua,
corredeiras humanas
que trafegam.

Carros barcos
deformam lençóis freáticos
plásticos
Se eu pudesse só faria poemas sem rimas. As rimas são irresistíveis, nascem bem antes, estão latentes a quem não se utiliza de dicionário de rimas, que descobri muito tardiamente que existem.
Versos sem rimas têm o sopro que não termina com o ponto final, têm o abrir espantado dos olhos, o tocar da mão no coração do peito, do incorreto pelo certo.
Versos com rima são belos, trazem o aviso do lado direito e esquerdo do cérebro, de como pode ser que a história termina.
Acho mais difícil versos sem rima.

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

Se a gente pudesse voltar naquele ponto que a linha não entrou, teríamos feito um belo bordado.
Chove
Chove nos sapatos,
as meias estão encharcadas.
Chove, chove no seu retrato.

domingo, 14 de fevereiro de 2016

Tudo que se quer
 é que um amor qualquer
traga a solução.
Para estancar um pobre coração.

Tudo que se quer
 é entender a solidão
para não se deixar cair
 nas armadilhas,
e assoprar e lamber sozinho
 as próprias feridas.

A paixão é felina.
Papai do céu é começo de oração, mamãe do céu é pedido de socorro.

sábado, 13 de fevereiro de 2016

Sete saias de cetim,
a barata diz que tem.

Sozinha na cozinha
rodopia, com uma
que é feita de plástico
 que brilha.

Sete saias de cetim,
a barata diz que tem assim.

Ela que tem sete saias e roda só.

Na cozinha.

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

O ex-grande amor estava ali, dois balcões à direita. Tirou os óculos, colocou a mão no bolso desconcertado. A essa altura, diminuíra alguns centímetros. Foi na livraria comprar a Teoria Geral do Esquecimento, e deu de cara com a lembrança. Contava os segundos no caixa que se demorava e torcia para que ao finalizar a compra, o grande tivesse desaparecido. Botou os óculos, tirou as mãos descosturadas do bolso, olhou na direção, e ele havia sumido. Caminhou até a estante, passou a mão nos livros, examinou os que estavam mexidos e acreditou que eram estes os livros vistos, A poesia é necessária, reunidas pelo Rubem Braga, O ritmo dissoluto, do Manuel Bandeira e a Rosa do Povo do Drummond. Ele também era poeta.

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016

terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

Os olhos carregam máscaras, camadas de sombras iluminadas. Os cílios pintados, sobre a pele acobertada. O suor borra, mistura com a purpurina, o cabelo molha, formando pequenas tempestades enquanto o corpo se agita. É quase quarta, é quase cinzas.

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

É melhor se esvaziar de certezas
se o amor é impreciso.
Cheio de teorias, a prática é o melhor exercício.
Amor ao próximo, amor bem próximo.
Tudo é risco.
Arrisquemos.

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

Esse lugar que não existe
é o lugar onde as coisas são criadas,

 é de lá que surge o imaginário.
Estou na casa de baixo e desce o aroma do café coado. Eu que não vejo, imagino o marrom tomando conta do coador.
Quisera fosse de pano, cheio de histórias,
que mesmo lavadas tingem o branco, imprimindo em seus tecidos vestígios, embaixo das escadas que levam o café mesmo sem tomá-lo em seu copinho de plástico, de vidro transparente, ou xícara.
A água desceu, ficou a borra, vou saber o que me espera.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

A criança, o adulto e o idoso, se intercalam como uma trança, ora o adulto, ora o idoso, ora a criança.
E de mãos dadas formam uma ciranda,
que circula, faz girar, e nessa mistura surge o "você".

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016